Fiquei, na altura bastante
surpreendido, para não dizer boquiaberto, por não encontrar nos diversos órgãos
de comunicação, letra, voz e imagem, na data própria, referência ao acontecido
no 11 de Março de 1975, tendo os jornalistas esquecido que os acontecimentos
daquele dia tiveram efeitos imediatos, no todo nacional, muito mais influentes
do que o 25 de Abril do ano anterior.
O 25 de Abril abriu as portas às
liberdades públicas e talhou abertura para que o Partido Comunista, já com
estrutura oleada, assaltasse os sindicatos existentes e lhes mudasse a carapaça
ideológica e criasse outros, muitos outros, para ficar a dominar todo o
movimento sindical que haveria de agitar toda a estrutura económica e, politicamente,
minaria todos os sectores onde a política poderia meter bedelho, desde as
repartições públicas ao núcleo central do poder e furando até às Forças
Armadas, não se eximindo, os seus próceres, de apodar de reacionário ou mesmo
contra-revolucionário quem ousasse afrontar ou mesmo só não concordar. O 28 de
Setembro, tendo já na altura o Vasco Gonçalves a primeiro Ministro e outros
ministros da linha, além da infiltração funda nas Tropas, foi uma das grandes
oportunidades.
No final de 1974 não souberam, os
comunistas, esconder os intentos de tomada do poder e deixaram sair os
corninhos da Unicidade Sindical, o que marcaria o início do confronto
ideológico com o PS, e ficaram muito aflitos com o surgimento do ” Programa de
Política Económica e Social, conhecido por Plano Melo Antunes”, documento
tornado público em 4/1/75 e que haveria de ser aprovado em Conselho de
Ministros em 21 de Fevereiro. Documento programático de longo prazo, estudado e
elaborado por diversos economistas e onde pontificou Victor Constâncio, ao
tempo já ligado ao PS. Em matéria de estatização da economia, que o PC preconizava
acontecesse “ontem”, aquele Plano previa a nacionalização da Banca, só da
Banca, num prazo de três anos. Inconcebível para os comunistas. Algo teria de
ser feito para suster tal Plano para se poder seguir o critério de 1917.
Reverter toda a actividade económica, nos campos (ocupação e expropriação de
terras – sem pagar o preço), nas fábricas (saneamento das gerências e
administrações), como nos Serviços (banca , seguros e grande distribuição).
Atingir tudo isso por meio da luta política pura e livre parecia ao PC tarefa
inconcretizável. Só com o método bolchevique, convencido de que o PS não
ficaria menchevique e que Mário Soares não ficaria Kerensky.
Então… aconteceu o 11 de Março! A
verdadeira história dessa “revolução” não foi feita, mas sinais houve de contradições
no que foi dito e escrito na altura e posteriormente a respeito. Certo que
Spínola fugiu, certo que houve aviões no ar, certo que houve disparos contra o
RAL 1 e certo que paraquedistas apareceram junto do quartel. O mais certo é que
Spínola e alguns outros militares dele próximos tenham sido ludibriados por
camaradas em quem confiavam. Aquele encontro dos paraquedistas com Dinis de
Almeida (o Fitipaldi dos Chaimites) foi surreal e os abraços e as lágrimas
deixaram inveja aos crocodilos.
Nesse dia eu estava em Lisboa. E,
de carro, corri por toda a cidade. Cirandavam os aviões no ar ainda se ouviam
disparos dos canhões contra o RAL 1 e, por toda a cidade, de cada bairro e de
cada rua saíam manifestações com bandeiras do PCP e do seu, então, guarda
costas, dito MDP/CDE aos berros: “O POVO ESTÁ COM O MFA”. Ou foi premonição que
viu com antecedência a revolta, ou se tratou de evento pré-estudado e para ser
executado daquela maneira e por todos aqueles interventores. O mais certo, bem
se pode imaginar agora!
O mais certo foi que nessa mesma
noite os militares “pariram” o Conselho da Revolução com poderes
constitucionais e executivos e, num ápice, nacionalizaram toda a economia e
abriram caminho para a ocupação das terras (as produtivas, com gados, com
cortiça e com equipamentos e grandes casas) e incentivaram-se os saneamentos de
empresários. Enfim deu-se cabo de toda a economia, cumprindo-se o grande desígnio
do PCP. E na arena política, a ala mais à esquerda do nóvel C.R. e do MFA, bem
escudados pelas altas figuras do PC tudo foram fazendo para que fosse anulada a
realização das Eleições Constituintes, marcadas para serem em 25 de Abril e que
o PC não queria de nenhum modo. Não puderam anular as eleições.
Integrei uma lista de Candidatos
a deputado para as Constituintes e, num encontro com Mário Soares, no Grande
Hotel do Porto, nos finais de Março ou primeiros dias de Abril, eu próprio o
questionei: “Temos a verdade oficial do 11 de Março. Gostaria de ter a verdade
real. O que de facto aconteceu e quem o provocou”. M. Soares respondeu: “O que
podemos dizer é que nós não estávamos lá. O certo é que no dia 11, seria meio
dia, os aviões ainda andavam sobre Lisboa e, em Bruxelas, um tal José Dias, do
MES, disse, em declarações a uma TV, a propósito do golpe, que Mário Soares já
foi preso. Quanto ao resto, o camarada deduza”. Fácil deducção, afinal.
E porque será que a comunicação
social não alude à enorme manifestação de 17 de Julho no Porto e Comício no
Estádio das Antas e, no dia seguinte, na enorme concentração na Fonte Luminosa,
movimentos que representaram o início do fim do Gonçalvismo e da influência do
PCP e seus satélites na vida política do país? Porquê se esquecem as grandes
datas? Esqueceram que nesse verão de 1975, politicamente escaldante, o país
esteve a uma unha de uma guerra civil?
Ah! Estive no Estádio das Antas e
estive na Fonte Luminosa. Hei-de lembrar algumas cenas engraçadas vividas
nessas duas grandes concentrações de defensores da democracia.
José Pinto da Silva