sexta-feira, 20 de maio de 2011

NOVA (IN)OPORTUNIDADE

Texto publicado hoje no Diário Económico e que vem bastante a propósito, dados os bate bocas que o tema tem gerado. Transcrevo-o com a devida vénia. José Pinto da Silva

Aliás, não está sequer preparado para fazer uma campanha eleitoral digna desse nome. Os dislates são diários. A necessidade de explicar, emendar e desdizer uma constante.


O mais recente episódio (atenção, escrevo à quarta-feira e ele é prolífico) prende-se com o programa das Novas Oportunidades. Passos Coelho decidiu insultar as centenas de milhares de portugueses que nos últimos anos se esforçaram por melhorar a sua formação. Não se coibiu, com a arrogância habitual, de passar, a todos, um atestado de ignorância. Mas, bem vistas as coisas, neste assunto o maior ignorante é mesmo ele.

Criado inicialmente pelo governo de Durão Barroso com o objetivo de certificar competências, foi bastante ampliado nos governos de José Sócrates no contexto da sua política de forte aposta na educação. Com dois grandes propósitos, "upgrade" escolar e profissionalização, o programa revelou-se um sucesso num país com um evidente défice de escolaridade e qualificação profissional. O que lhe valeu reconhecimento e aplauso europeu e internacional, nomeadamente da Unesco.

O reacionarismo local nunca gostou da ideia. Uns por elitismo, outros por atraso cultural. Os primeiros, na sua maioria senhores doutores, não gostam de ver a ralé aceder ao conhecimento. Os segundos, ainda não perceberam do que é feito o mundo de hoje e vivem noutro tempo, lá muito para trás. Vale a pena explicar.

A aceleração do conhecimento nas últimas décadas, muito impulsionada pelas novas tecnologias, veio alterar significativamente o contexto e o papel do ensino convencional. A escola, no sentido lato do termo, deixou de ser o único centro do saber, aquele sítio que guardava e transmitia o conhecimento disponível. Pelo contrário, a escola passou a ter dificuldade em acompanhar a rápida evolução dos saberes. Hoje, quem termina um curso depara-se frequentemente com o facto de ver aquilo que estudou tornado obsoleto por via dos constantes progressos da ciência. Estudar ao longo da vida tornou-se indispensável. Estudar de formas não convencionais também. O que significa estudar fora da escola através dos novos mecanismos de partilha e cooperação que a Internet, entre outras coisas, proporciona, ou por meio da própria experiência profissional adquirida no trabalho e na vocação. Tanto mais que as competências não se resumem mais ao ainda restrito e restritivo padrão académico. Novas áreas do saber não param de emergir. Novas aptidões também.

Isto é importante porque se no passado, a capacidade de inovação residia quase exclusivamente na dinâmica dos meios universitários, hoje está em todo o lado. Basta pensar como alguns dos grandes feitos tecnológicos e empresariais dos últimos tempos nasceram em garagens (caso da HP) pela mão de jovens que muitas vezes nem terminaram os seus cursos. O exemplo de Bill Gates é certamente o mais famoso.

Assim, novos modelos, como o das Novas Oportunidades, são determinantes para os processos continuados de aquisição de conhecimentos e competências. Representam uma oportunidade efetiva para muitos milhares de pessoas que de outro modo estagnariam. Sobrevalorizar alguns casos particulares de aproveitamento fraudulento, como sempre fazem os demagogos, é não perceber o que está em causa.

Passos Coelho claramente não percebe. Ainda jovem tem uma visão arcaica da educação. Considera que a requalificação das escolas é um luxo e que a profissionalização dos adultos um embuste. São "slogans" que lhe ficam mal e que só mostram impreparação. Como alguém disse, quem acha que a educação é cara, então faça as contas a quanto custa a ignorância.

Na ânsia de desfazer tudo o que Sócrates fez, Passos Coelho vai assim alinhando com as posições mais retrógradas. Hoje o PSD, que em tempos foi social-democrata, define-se como um partido contra a educação, a ciência e a cultura.

Por isso, com tantas e tão frequentes inoportunidades, talvez não fosse má ideia Passos Coelho ir até ao Brasil fazer companhia a Eduardo Catroga e esperar, na praia, pelo resultado das eleições. O país agradecia.

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