sábado, 18 de março de 2017

MALDOSA INSINUAÇÃO

Na sessão pública de apresentação de contas da Sonae, o Dr. Paulo Azevedo decidiu regressar ao tema da OPA da Sonae sobre a PT para dizer, no essencial, "que estavam todos feitos". Não sei a quem é que o Dr. Paulo Azevedo se queria referir mas , no que me respeita, esta declaração constituiu uma grave e maldosa insinuação que desejo indignadamente repudiar. O governo da altura assumiu uma posição de estrita imparcialidade nem contra nem a favor da OPA. Essa posição foi por várias vezes transmitida ao Dr. Paulo Azevedo, em particular nas reuniões em que a administração da Sonae tentou persuadir o governo a apoiar a OPA. Foi-lhe comunicado que não havia nenhum motivo de interesse público que pudesse justificar tal atitude. Essa posição de neutralidade estendeu-se à Caixa Geral de Depósitos, a cuja administração foi comunicada total liberdade - a sua posição deveria resultar do que fosse considerado o seu melhor interesse. O Conselho de Administração da mencionada instituição votou e decidiu com total autonomia. Alguns dias antes da assembleia geral da PT, o Dr. Paulo Azevedo fez-me um derradeiro telefonema solicitando-me que o governo revisse a sua posição no sentido de dar orientações expressas à Caixa para apoiar a referida OPA. Respondi-lhe que o governo não o faria e que se manteria fiel à sua conduta inicial de estrita neutralidade. Dei conta desse telefonema ao Sr. Ministro da tutela. É portanto indesculpável que alguém que tentou em várias ocasiões convencer o governo a ser apoiante da sua iniciativa empresarial se permita fazer insinuações que o próprio sabe serem falsas. E, mais grave ainda, fazê-las num quadro de suspeitas judiciais absurdas e infamantes. O governo nunca esteve feito com ninguém. Nem com o Dr. Paulo Azevedo.

José Sócrates


segunda-feira, 13 de março de 2017

ESPÍRITAS PREVIRAM APARIÇÕES DE FÁTIMA E OUTROS FENÓMENOS




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O anúncio colocado no Diário de Notícias pelos espíritas previa as aparições de Fátima. Os historiadores especialistas na I República Fernando Rosas e Filipe Ribeiro de Meneses comentam.
A publicação, há cem anos e um dia, de um anúncio no Diário de Notícias, que alertava para a importância do dia 13 de maio de 1917, que calhava dois meses e três dias depois da edição do jornal, surpreendeu ontem todos os que têm, ou não, que ver com as aparições da Cova da Iria. O Santuário de Fátima não reagiu à publicidade paga que saiu impressa na nona coluna da página 4 daquele dia, além do que já dissera.
Os teólogos portugueses também não mostraram vontade de comentar a curiosidade. Os historiadores que se dedicam a essa época referem, numa única voz, a situação como uma "coincidência". Os atuais responsáveis pelas casas espíritas que puseram o anúncio neste jornal ficaram espantados com o que os seus antepassados previram. Os leitores crentes, por seu lado, permaneceram iguais nas suas convicções sobre os momentos sobrenaturais que deram início a uma peregrinação quase centenária e que supera anualmente os seis milhões de pessoas vindas de todo o país e do mundo até ao recinto conhecido como a Praça Branca, em oposição à Praça Vermelha de Moscovo.
A grande questão que o anúncio coloca é a do seu significado. O título tinha um número enigmático, 135917, que só posteriormente seria entendido como sendo o dia da alegada primeira aparição de Nossa Senhora aos três pastorinhos enquanto o rebanho dos pais pastava, na região de Ourém.
Quanto ao texto do anúncio, maior foi a estranheza: "Não esqueças o dia feliz em que findará o nosso martírio. A guerra que nos fazem terminará." A interpretação que reúne mais unanimidade sobre esta frase é a de se referir ao fim da Grande Guerra, situação que só se verificará um ano depois, em 1918.
Nada que seja um incómodo, afinal, Nossa Senhora enganou-se na previsão durante a terceira aparição, já que terá "dito" à vidente Lúcia que estava para breve. O erro foi corrigido posteriormente, mas não eliminou o facto de a guerra ser a principal essência da Mensagem de Fátima quando essa parte do Segredo foi revelada em Memórias da Irmã Lúcia.
Daí que juntar o teor do anúncio publicado há um século na edição do DN e as aparições de Fátima tenha sido um passo para os inúmeros espíritas, que nesses anos recebiam do Além mensagens focadas no conflito e na conturbada realidade política e social portuguesa. Que eram muitos, pois o espiritismo era moda nos países europeus no pós-guerra, fruto da grande quantidade de vítimas mortais provocadas pela Grande Guerra, e encontravam resposta nestas comunicações com os mortos.
Aliás, na "acta" que regista a sessão espírita de 7 de fevereiro de 1917, em que Stella Matutina revela o conteúdo da mensagem que será transformada em anúncio a um dos presentes, que logo pede lápis e papel para a registar conforme a regra mediúnica, escrita da direita para a esquerda, em que fica a indicação de que "se tomasse nota da opinião da Igreja Católica, para não haver no futuro dúvidas sobre aquela douta opinião". Foi o irmão Carlos Calderon, um famoso músico e maestro à época e um dos membros mais importantes do centro espírita lisboeta, quem ficou encarregado de providenciar a publicação do anúncio e de "seguir com a máxima atenção o desenvolvimento deste assunto, coligindo todos os dados, artigos, etc., que possam conduzir-nos à verdade".
Se os acontecimentos de Fátima deram razão à importância daquela data para a Igreja Católica e ficaram para uma história já centenária, o mesmo não se verificou com a maior parte da documentação que registava aquelas sessões espíritas, pois na década de 1950 as autoridades desmantelaram as casas espíritas em todo o país e confiscaram ou destruíram todos os bens.
Restam os anúncios nos jornais sobre a data que Stella Matutina terá ditado a vários espíritas, como os da famosa casa na Rua da Picaria no Porto, em que se referia: "Hade dar--se um facto, a respeito da guerra, que impressionará toda a gente." Cujos membros enviaram para o JN num postal e que foi considerada como "revelação sensacional", conforme titularam os redatores numa notícia. Também aqui se antecipava a importância do dia 13 de maio de 1917, situação ainda repetida em mais dois outros jornais, Liberdade e O Primeiro de Janeiro.
Várias mensagens do Além
Se os historiadores recusam qualquer validade histórica aos anúncios que as casas espíritas publicavam na imprensa nacional, o mesmo não acontece com os sucessores de quem os colocou há um século no DN e noutros órgãos. É o caso de Manuel Costa, primeiro secretário da Federação Espírita Portugesa, que considera a antecipação prevista no anúncio como algo normal entre os seus: "Não é nada de estranho, estas premonições já aconteceram em muitas outras situações. Posso referir que em relação ao primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga, também foi feita essa premonição a 11 de fevereiro de 1882, numa reunião espírita em Lisboa. Estamos a falar do século XIX, muito antes do fim da monarquia. Aliás, esse mesmo espírita também revelou que iria ser implantada a República em Portugal, num tempo em que os republicanos não eram assim tão numerosos; tal como o regicídio do rei D. Carlos, que foi previsto por uma médium que veio do Brasil para dar indicações claras ao rei de que iria ser assassinado. Na altura, infelizmente, ninguém acreditou."
O DN consultou a edição de A Capital referida por Manuel Costa e confirma-se que está noticiada na primeira página de 4 de outubro de 1913, documentando a publicação, três décadas antes, de um opúsculo em que se anunciava que "o Sr. Dr. Manuel de Arriaga já foi indicado pelos espiritistas para primeiro Presidente da República Portuguesa!" Os redatores comentaram: "A revelação é curiosa, como o leitor não deixará de concluir."
Se os leitores atuais não confiam nestas previsões mediúnicas, Manuel Costa contrapõe que se deve à dificuldade em compreender certas dimensões do homem que, refere, a "própria física quântica explica cada vez mais. Somos muitas vezes catalogados como lunáticos, mas é a ciência mais avançada que mostra o contrário". Quanto à origem destas comunicações, diz: "Essa é uma longa história e difícil de assimilar para quem não tem noção do que se está a falar."
Sobre a falta de credibilidade do espiritismo hoje, Manuel Costa lamenta que não se queira saber o futuro: "Muitas vezes com contornos muito definidos, como foi o caso da comunicação de Fátima. Agora, com o materialismo da sociedade, pouco nos preocupa uma sociedade mais iluminada."
No que respeita à Igreja, garante que "há dentro dela imensos sacerdotes que estão identificados com a fenomenologia mediúnica e com o que se passa a nível espiritual". Sobre a interpretação dos acontecimentos de Fátima, explica que são "um facto mediúnico semelhante ao que todos os dias se passa nas nossas casas espíritas". Ressalva: "A envergadura do espírito de Maria de Nazaré, muito acima da média, é que não se apresenta a qualquer um."