quarta-feira, 2 de abril de 2014

OBSESSÃO HOTELEIRA  

Caberá iniciar com o recordar uma ocorrência de há anos. Andava-se na campanha autárquica de 2009 e um candidato à Câmara alçou a bandeira da cedência de lotes de terreno nas zonas industriais, nas existente e noutras a desenvolver, a € 1,00/m2, com o fito de promover o investimento e, por ele, a criação de emprego no concelho. Lembramo-nos bem, e quem se não lembrará, da matilha que lhe soltaram às canelas, que não passava de uma tirada demagógica, incumprível por carestia de meios, e mais que tira e mais que põe. E não esqueceremos que a matilha, toda ela, tinha tons alaranjados. Seria, portanto, demagógico prometer a dispensa de lotes em zonas industriais a € 1,00 o m2 em 2009, para ser normal, realista e proveitoso, para os zelotas da mesma tonalidade, “vendar” ao mesmo preço de euro/m2 uma parcela significativa de terreno situado no local mais nobre e emblemático de Caldas de S. Jorge. Neste caso, lote atribuído sob concurso, com caderno de encargos (como seria na proposta de 2009) a obrigar a construir, em prazo assinalado, determinado equipamento do segmento turístico/hoteleiro. Com estas linhas preambulares para dizer que nada a opor à iniciativa, desde que, claro, os pressupostos sejam cumpridos.
Salta à evidência que o investidor, pessoa experiente no investimento imobiliário em geral e particularmente no segmento hoteleiro, fez um exaustivo estudo económico do investimento que se propõe arriscar, propondo-se ir, inclusive, para além do imposto pelo C. E., subindo um ponto no estrelar da unidade. O C.E. impunha a edificação de unidade de tipologia mínima de três estrelas e foi por ele, investidor, anunciado que optaria pelas quatro estrelas, melhoramento que não é dispiciendo e menos de desconsiderar. E, por certo que não pensará suportar a rentabilização do empreendimento com as afluências termalísticas, como as termas não estarão de olho num hotel tetra estrelado para captação de presenças. A pesquisa prévia para a decisão de investir terá deixado a indicação de que o grosso da clientela termal é ambulatória, dada a origem territorial dos termalistas. Desde que começou a haver estradas e o uso do transporte individual se generalizou. É bem mais barato ir e vir, de e para um raio de até 30//40 km do que hospedar-se, mesmo em aposento menos estrelado.
Assalta-nos a incerteza quanto ao futuro da paisagem implantada do outro lado da rua do Monte de Cima. Será que um empreendimento hoteleiro tetra estrelado se compatibilizará com as ruínas da Fabruíma e do imóvel contíguo, constituindo um quarteirão com mais de 50 metros de lado? É uma evidência que não haverá compatibilização adivinhável. E a quem vai caber a aquisição//recuperação//demolição de tudo aquilo? O C E não aponta para que seja obrigação do empreendedor. Nem sequer fala nisso. Virá a caber à Câmara Municipal?
O desenvolvimento do processo haverá de dizer. Para além do melhoramento visual, algo sempre haveria que ser feito para agilizar as acessibilidades para a futura unidade e sempre implicaria com uma alteração profunda daquele pedaço, já que se não divisa outro acesso que não seja por uso da rua do Monte de Cima. Algo se saberá com e aquando da execução do projecto que tem prazo marcado.
Mas o que deu origem ao escrito e ao título foi o facto de se saber, por boca própria, em entrevista neste mesmo hebdomadário há três semanas, que a construção daquele hotel, naquele local, é objectivo programático de mandato de uma pessoa que foi eleita presidente de Junta, no caso de duas freguesias. Parece ser demasiado redutor, em comunidades de tantas carências, mesmo no âmbito de equipamentos públicos, mas também nos segmentos sócio-culturais, ter como objectivo zénite o desafio de um particular que, perante as vicissitudes económicas do país e dada a exiguidade da caução investida, facilmente poderá inverter as suas orientações de investimento. Pobreza de meta.


José Pinto da Silva
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