Ou não fôssemos lusos. A partida aconteceu com meia hora de atraso, o que não seria grave, se no programa não houvesse visitas marcadas, com pessoas (guias e cicerones) à espera da excursão. Os espaços a visitar não são museus públicos, pelo que não têm pessoal permanente. Gerou-se naturalmente preocupação no programador, o Dr. Lima Bastos.
Pouco depois
do arranque (o último entrou na Feira) foi dirigido à comitiva o voto de boa
viagem e de bom aproveitamento lúdico / cultural. As várias intervenções de
Lima Bastos, sempre curtas para não enfastiar, confirmaram o que era já ciência
de todos. Ele sabe tudo sobre a vida de Aquilino Ribeiro e conhece cada palmo
de chão daquelas terras e cada coisa que o homem ou a natureza foram fazendo
surgir em cada local daquela região. E conhece, de trás p’ra frente, com
detalhe que estonteia, todos e cada um da meia grosa de livros do Mestre.
As gentes
daquelas terras usam (ou usaram) alguns termos muito próprios e topónimos com
história. A respeito e aludindo ao nome deste nosso concelho e respectiva sede,
opinou que fora um grave erro histórico a postura do topónimo Santa Maria da
Feira (1985) – parece que Santa Maria não cola toponimicamente com VILA DA
FEIRA, nome vindo de época imemorial, visigótica (?), precedendo muito a
nacionalidade. Disse que o topónimo actual é a modos que ajudengado, como se
referiu Aquilino quando mudaram o nome de Barrelas para Vila Nova de Paiva. E
eu concordo e nada me aborreceria se voltássemos à Vila da Feira. Do mesmo modo
que, reiterando o que já escrevi noutra data e local, seria interessante acabar
com o feriado municipal aplicável a todo o concelho, feriado que ninguém
respeita, instituindo-se, onde houvesse essa vontade, feriado em cada freguesia
em dia escolher por cada autarquia. ‘bora a discutir o assunto ..!
Os objectivos
a visitar estavam marcados, pelo que, logo que se entrou na região do Demo, ele
ia apontando acolá está este ou aquele templo merecedor de visita, mais além um
exemplar megalítico, no monte mais acima mais isto ou aquilo digno de nota e
meta para visita noutra saída. Parámos a poucos metros da vera nascente do rio
Vouga e houve intervenção humana para fazer confluir dois fios de água (a
nascente), estando visível, mas protegida. O pessoal (o que quis) comprou ali
numa das diversas padarias o celebrizado Pão Alvo que ficou com o nome de
quando naquelas terras se produzia um trigo com características especiais de
alvura. Havia um casamento na Igreja da Senhora da Laje.
A certo passo
de uma das suas alocuções, L. Bastos recordou algumas palavras regionais e
lembrou PARANHEIRO, uma espécie de lagar todo em pedra onde eram depositadas as
cinzas das lareiras e depois usadas na estrumação das terras. Lembramo-nos, os
mais velhos, das FACHOQUEIRAS, um pequeno atado, bem apertado de palha de colmo
e que eram acesos por alturas do Entrudo a alumiar as correrias (sobretudo dos
miúdos) entoando: “Entrudo fora, vem a Páscoa, vai-te embora”. Pois nas Terras
do Demo os mesmos fachos chamavam-se “Alumieiras”. É da ciência geral que Sernancelhe
é a pátria da castanha e de qualidade, e coisa que ignorava, os soutos antigos
(um castanheiro só ao fim de muitos, muitos anos, era adulto e produzia) foram
substituídos por novas espécies que começam a dar fruto (com rendibilidade) 4
ou 5 anos depois de plantados. Não inquiri e fiquei sem saber, se a madeira de
castanho (destes castanheiros) mantém as mesmas características de beleza e
qualidade. Foi-nos dito então que, ali na zona – disse o local, mas não anotei
– existe o castanheiro mais volumoso e mais idoso do mundo. Tem mais ou menos
900 anos (diz-se que 300 anos para nascer, 300 anos para crescer e 300 anos
para morrer) e para abraçar o tronco em todo o perímetro são precisoa os braços
de 16 homens. O respectivo terreiro era palco de grandes festividades à
natureza em tempos imemoriais. Ouvimos também que em 3 léguas ao redor de
Sernancelhe há 13 mosteiros ou templos, alguns deles em ruínas.
Foi contado o
episódio do convento de freiras sujeitas a regras de clausura, mas onde, uma
vez por outra, lá aprecia uma freirinha engravidada, sem que fosse conhecido
varão. Era então feito um rastreio a todas as enclausuradas. Mas havia uma (?),
sempre a mesma, que por artes e/ou manhas fugia à vistoria das superioras até
que um dia a madre disse que iria ela mesma fazer a olhada e que não haveria
fuga possível. E assim foi. A madre foi a olheira. E lá chegando, ergueu o
hábito da olhada e estatuou com espanto marcado nos olhos provocado pelo que
viu. E desabafou: “grávida ou não, nem pude confirmar, mas o que nunca tinha
visto era um “mastronço” tão grande e tão lindo de morrer”
A primeira
paragem (além da ligeira na Senhora da Lage) foi na Fundação Aquilino Ribeiro
cujas instalações são a casa onde o escritor viveu a partir dos 11 anos. Era a casa
dos seus avós. É uma casa de construção tradicional, para gente, diríamos
agora, da classe média, média, com muitas divisões, todas muito pequenas, tal como
mandava a arquitectura da época. De destacar o acervo de pinturas, pequenos
retratos, pequena cama, metálica tubular, estando equipada com um colchão de
época posterior, pois na época estaria cheio com palha de colmo. Houve quem
descrevesse até a cena do enchimento, de que me recordo claramente, pois também
dormi em colchão de palha. A cerca de 50 metros havia a casa do caseiro. Casa
naturalmente mais pobre na construção e no recheio, mantendo-se as divisões
muito pequenas. Ambas as edificações implantadas no espaço da respectiva
quinta, de cuja dimensão não houve oportunidade de tomar ciência. Cabe aqui
contar que, sendo Aquilino um entusiasta amante da arte cinegética, gostava de
caçar, deu instruções claras e bravas no sentido de ser expressamente proibido
disparar contra qualquer bicho que campeie no espaço da quinta. Apesar do dia
solarengo, naquele local soprava uma aragem persistente e arrefecida. Dizia-se
que A. Ribeiro, mesmo no verão, envergava sempre a sua quase mítica samarra. E
terá sido dentro dessa vestidura que, mais do que uma vez, recebeu naqueles
aposentos o nosso conterrâneo, Dr. Alcides Monteiro, amigo que se tornou do
escritor a partir de amigo comum, este político do reviralho no distrito de
Viseu.
Seguimos
depois para Tabosa para olhar e visitar um templo e mosteiro anexo, tudo em
ruínas, mas que, por iniciativa e despojo de um de lá cidadão está em trabalhos
de recuperação e restauro. Trabalho insano e investimento de muitas centenas de
milhar de euros. Terminada a visita, embicámos logo na direcção do hotel onde
tinha sido marcado o almoço, no hotel Verdial, restaurante Peto Real. Serviço
de qualidade e eficiente. Será, ao que foi dito, o refúgio do nosso cicerone
quando se quer dedicar intensamente à escrita.
Como só faltava uma visita a
cumprir (que se veio a tornar longa e alongada e .. para alguns.. chata e
alguns até se baldaram) demorou-se um tanto mais no restaurante, onde se fez
promoção de azeite da região. Alguns compraram.
Endireitou-se
a camioneta a caminho de Sernancelhe. Havia a recepção na Biblioteca Municipal
e a visita à Igreja e Museu Monsenhor Cândido Azevedo, vivente com 80 e muitos
ainda a pesar-lhe pouco, pela vitalidade exibida, pároco na Igreja e, mais do
que cicerone, disponível para expor história. O carro, por imagináveis obras na
zona histórica ficou no centro e, como era ainda longe e a subir, dois de nós
ficaram a esperar que um carro fizesse o transporte. Aconteceu em poucos
minutos. Foi a comitiva recebida pelo Sr. Vereador do Pelouro da Cultura (o
Presidente da Câmara estava fora da região) e o cerimonial foi ligeiro e
singelo. Algumas palavras do Dr. Lima Bastos – referir é considerado cidadão
Sernanselhense e foi agraciado com a medalha de ouro municipal – e resposta do
Sr. Vereador, a que se seguiu a entrega de uma lembrança a todos. A Igreja,
visita que se seguiu, é mesmo ao lado e confirmou-se o ameaço. O abade era
demasiado minucioso e tomava hora e meia para ciceronar tudo. Foi de tal modo
ao detalhe que muitos se cansaram e foram saindo à francesa. Eu também. Cada
qual dos baldados foi procurando onde aconchegar o estômago lanchando, pois já
passava das 18. Eu tinha o meu na camioneta e para lá fui, por deferência do
motorista. Não demorou muito o endireitar rumo a casa. Enquanto se corria nas
Terras do Demo, Lima Bastos tinha sempre algo a esclarecer sobre mais este ou
aquele lugarejo, aquele outro monte e algum episódio real ou mítico.
A viagem correu muito bem. E
terminou bem. Fica-se à espera de agendamento de outra a visitar chão pisado
por outro grande das letras em português. Sem A.O.
José Pinto da Silva