segunda-feira, 11 de abril de 2016

GUARDA DO ESPÓLIO BIBLIO / DOCUMENTAL



O Senhor Padre Domingos Azevedo Moreira, Abade de Pigeiros durante 50 anos, ilustre sabedor em muitas fileiras do saber, mas sobretudo na Linguística, Onomástica, Toponímia e Hidronímia, sendo considerado dos melhores do mundo pelos que foram e pelos que são dos melhores do mundo naqueles ramos de saberes. Deixou obra e deixou milhares de obras, tendo alimentado o sonho de deixar todo o acervo bibliográfico e documental a quem pudesse garantir a sua preservação, a sua divulgação e a sua disponibilização a quantos se interessassem pelos conteúdos.
Propôs doar tudo à Câmara Municipal, doação testamentada e com algumas condições. Poucas, afinal. E a Câmara deliberou aceitar a doação nas condições testamentadas. E tal foi a sua satisfação, a de adivinhar garantida a preservação do seu património biblio / documental que, gerando uma pacificação interior, permitiu que partisse no dia imediato à assinatura do testamento.
Transcrevem-se duas condições da doação, plasmadas no documento: a) a Biblioteca Especial (cujo critério de selecção será feito pelo meu testamenteiro) contém os exemplares mais valiosos. Quero que sejam instalados em caixa-forte em condições de conservação adequadas, a cargo da Câmara Municipal; b) a restante biblioteca (livros, revistas, jornais, apontamentos, objectos musicais, discos, etc.) será alojada em sala (ou salas) própria(s), com o nome do doador na porta da(s) sala(s) – nome ……, Abade de Pigeiros. Será instalada no pólo de Pigeiros, depois de estar a casa pronta (em Pigeiros). O espólio será acessível ao Declarante e aos seus dois sobrinhos (Maria de Fátima …. e marido) em cuja casa vivo. Falecendo um e outros, cessa o direito de fruição.
Fica claramente implícito que haveria de ser construída uma “casa” nova, com sala ou salas, onde ficasse alojado o espólio. E assim ficou por todos entendido. Foi projectado e edificado um Centro Cívico, com salas para receber todo o acervo e em condições de visita, consulta, estudo e dinamização. E que incluiria um anfiteatro para usos diversos Quem se responsabilizou por mandar riscar o projecto foi a Câmara Municipal. O projectista, de certeza, terá ido ver a dimensão da documentação a acomodar, terá estudado as condições impostas para acomodação, terá considerado que uma biblioteca exige espaço de consulta, de leitura, de estudo (as condições de acústica foram por certo tidas em conta) e terá dimensionado bem a área a disponibilizar para se satisfazer o desiderato. A Câmara nunca entregaria a elaboração do projecto a alguém que não fosse bem competente.
O Caderno de Encargos foi estudado e elaborado pela Câmara e terá, de forma bem clara, como é de tom, determinado com detalhe as condições de execução de todas as artes, desde os caboucos ao telhado. Foi a Câmara que lançou o Concurso Público, ainda que em nome da Junta de Freguesia, porque estava em vista um financiamento de algum vulto a requerer junto de Instituto afecto ao Desenvolvimento Rural. E conviria que o financiamento fosse em nome da Junta. A obra foi executada e, desde a primeira pàzada do desaterro, foi acompanhada e fiscalizada pelos técnicos da Câmara que se certificavam do bom cumprimento das normas de execução e conferiam os autos de medição para emissão de factura. A Junta é que passava o cheque para solvência de cada factura.
 Executadas todas as fases e sempre com gente competente a tratar de cada fase, onde esteja, no sossego da sua paz, o Senhor Pe. Domingos estará muito frustrado pela falta de respeito pela sua memória e pela deturpação da sua vontade expressa de boca e de escrita. A sua parte física estará a revolver-se na tumba, também movida pelo espírito desgostoso. É que se tem visto que na casa feita para o aconchego da sua obra ocuparam algumas salas e agora dizem que o espólio não cabe. Pois se não cabe, que façam, para já, sair de lá quem e o que entrou para lá indevidamente. Que o edifício, alegam, gera muita humidade, por causa do nível freático. Que peçam responsabilidade a quem projectou a quem executou e, com certeza, a quem fiscalizou e, em última instância a quem a todos tutelava. Que a luminosidade é inadequada para o fim em vista. Pois que se responsabilizem os mesmos e que se rasguem novas janelas, ou se fechem algumas outras até se conseguir a iluminação capaz para o fim. O projectista sabia, ou deveria saber, ao que se destinavam as salas. E sabiam todos que não era para sede de Junta, nem para Centro de Enfermagem, como todos sabiam que o financiamento requerido o foi para um edifício, também para albergue de um valioso espólio biblio / documental, a utilização, de resto, mais importante. Não sendo cumprido o fim, o financiamento continuaria legal e não seria posto em crise? As autoridades o dirão. Porque irão ser perguntadas a respeito.
E que intervenção poderão (deverão) ter os sobrinhos ainda fiéis depositários de todo o acervo? Não podem (não devem) deixar-se influenciar por quem, com o maior despudor, está a atentar contra a vontade e disposição do doador.
Havendo qualquer intervenção no edifício, a decência impõe que haja, seria elogiável, e muito agradaria aos ainda fiéis depositários, se fosse feito um pequeno quarto que recebesse, ao jeito de minúsculo museu, diversos objectos pessoais do doador, que, sabe-se, estão guardados e não geraram coragem de os abandonar. 

José Pinto da Silva


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