O Senhor Padre Domingos Azevedo Moreira, Abade de
Pigeiros durante 50 anos, ilustre sabedor em muitas fileiras do saber, mas
sobretudo na Linguística, Onomástica, Toponímia e Hidronímia, sendo considerado
dos melhores do mundo pelos que foram e pelos que são dos melhores do mundo
naqueles ramos de saberes. Deixou obra e deixou milhares de obras, tendo
alimentado o sonho de deixar todo o acervo bibliográfico e documental a quem
pudesse garantir a sua preservação, a sua divulgação e a sua disponibilização a
quantos se interessassem pelos conteúdos.
Propôs doar tudo à Câmara Municipal, doação
testamentada e com algumas condições. Poucas, afinal. E a Câmara deliberou
aceitar a doação nas condições testamentadas. E tal foi a sua satisfação, a de adivinhar
garantida a preservação do seu património biblio / documental que, gerando uma
pacificação interior, permitiu que partisse no dia imediato à assinatura do
testamento.
Transcrevem-se duas condições da doação, plasmadas no
documento: a) a Biblioteca Especial (cujo critério de selecção será feito pelo
meu testamenteiro) contém os exemplares mais valiosos. Quero que sejam
instalados em caixa-forte em condições de conservação adequadas, a cargo da
Câmara Municipal; b) a restante biblioteca (livros, revistas, jornais,
apontamentos, objectos musicais, discos, etc.) será alojada em sala (ou salas)
própria(s), com o nome do doador na porta da(s) sala(s) – nome ……, Abade de
Pigeiros. Será instalada no pólo de Pigeiros, depois de estar a casa pronta (em
Pigeiros). O espólio será acessível ao Declarante e aos seus dois sobrinhos
(Maria de Fátima …. e marido) em cuja casa vivo. Falecendo um e outros, cessa o
direito de fruição.
Fica claramente implícito que haveria de ser
construída uma “casa” nova, com sala ou salas, onde ficasse alojado o espólio.
E assim ficou por todos entendido. Foi projectado e edificado um Centro Cívico,
com salas para receber todo o acervo e em condições de visita, consulta, estudo
e dinamização. E que incluiria um anfiteatro para usos diversos Quem se
responsabilizou por mandar riscar o projecto foi a Câmara Municipal. O
projectista, de certeza, terá ido ver a dimensão da documentação a acomodar,
terá estudado as condições impostas para acomodação, terá considerado que uma
biblioteca exige espaço de consulta, de leitura, de estudo (as condições de
acústica foram por certo tidas em conta) e terá dimensionado bem a área a
disponibilizar para se satisfazer o desiderato. A Câmara nunca entregaria a
elaboração do projecto a alguém que não fosse bem competente.
O Caderno de Encargos foi estudado e elaborado pela
Câmara e terá, de forma bem clara, como é de tom, determinado com detalhe as
condições de execução de todas as artes, desde os caboucos ao telhado. Foi a
Câmara que lançou o Concurso Público, ainda que em nome da Junta de Freguesia,
porque estava em vista um financiamento de algum vulto a requerer junto de
Instituto afecto ao Desenvolvimento Rural. E conviria que o financiamento fosse
em nome da Junta. A obra foi executada e, desde a primeira pàzada do desaterro,
foi acompanhada e fiscalizada pelos técnicos da Câmara que se certificavam do
bom cumprimento das normas de execução e conferiam os autos de medição para
emissão de factura. A Junta é que passava o cheque para solvência de cada
factura.
Executadas
todas as fases e sempre com gente competente a tratar de cada fase, onde
esteja, no sossego da sua paz, o Senhor Pe. Domingos estará muito frustrado
pela falta de respeito pela sua memória e pela deturpação da sua vontade
expressa de boca e de escrita. A sua parte física estará a revolver-se na
tumba, também movida pelo espírito desgostoso. É que se tem visto que na casa
feita para o aconchego da sua obra ocuparam algumas salas e agora dizem que o
espólio não cabe. Pois se não cabe, que façam, para já, sair de lá quem e o que
entrou para lá indevidamente. Que o edifício, alegam, gera muita humidade, por
causa do nível freático. Que peçam responsabilidade a quem projectou a quem
executou e, com certeza, a quem fiscalizou e, em última instância a quem a
todos tutelava. Que a luminosidade é inadequada para o fim em vista. Pois que
se responsabilizem os mesmos e que se rasguem novas janelas, ou se fechem
algumas outras até se conseguir a iluminação capaz para o fim. O projectista
sabia, ou deveria saber, ao que se destinavam as salas. E sabiam todos que não
era para sede de Junta, nem para Centro de Enfermagem, como todos sabiam que o
financiamento requerido o foi para um edifício, também para albergue de um
valioso espólio biblio / documental, a utilização, de resto, mais importante.
Não sendo cumprido o fim, o financiamento continuaria legal e não seria posto
em crise? As autoridades o dirão. Porque irão ser perguntadas a respeito.
E que intervenção poderão (deverão) ter os sobrinhos
ainda fiéis depositários de todo o acervo? Não podem (não devem) deixar-se
influenciar por quem, com o maior despudor, está a atentar contra a vontade e
disposição do doador.
Havendo qualquer intervenção no edifício, a decência
impõe que haja, seria elogiável, e muito agradaria aos ainda fiéis
depositários, se fosse feito um pequeno quarto que recebesse, ao jeito de
minúsculo museu, diversos objectos pessoais do doador, que, sabe-se, estão
guardados e não geraram coragem de os abandonar.
José
Pinto da Silva