segunda-feira, 15 de março de 2010

Aterro Sanitário - Parecer Técnico

Com a devida vénia vou transcrever um parecer técnico emitido por pessoa da especialidade
a respeito da eventualidade da implantação do aterro sanitário nos terrenos da Quinta da Laje.
José Pinto da Silva

2010
FEUP
João Santos Baptista
Eng. Sénior
CALDAS DE S. JORGE/PIGEIROS
PARECER SOBRE A IMPLANTAÇÃO DO NOVO ATERRO DO SISTEMA
MULTIMUNICIPAL DA SULDOURO EM CALDAS DE S. JORGE/PIGEIROS
Breves comentários relativamente a impactes sobre alguns parâmetros descritores ambientais,
ao nível de relatório “não técnico”:
· Clima
o Alteração micro-climática derivada da remoção do coberto vegetal – Esta
alteração, com origem na grande extensão da área envolvida. Terá efeitos
adversos em toda a envolvente que podem atingir uma amplitude significativa
devido à localização em flanco de encosta no fundo do vale. Ao mesmo tempo,
é de prever um efeito sinergético desta com outras infra-estruturas que estão
previstas para a zona, nomeadamente o parque industrial.
Do ponto de vista temporal, o aterro, terá uma influência que se prolongará
por toda a sua vida útil, a qual pode atingir as várias dezenas de anos. Ao ter a
localização prevista para o fundo do vale, é provável que haja influência tanto
a montante como a jusante do local de implantação, dependendo da direcção
e velocidade dos ventos.
· Socioeconomia
o Potencial inviabilização das Termas das Caldas de S. Jorge do ponto de vista de
infra-estrutura termal. Será difícil atrair termalistas/turistas para um local que,
por força das variações da direcção dos ventos, pode estar sujeito a odores
desagradáveis por períodos prolongados.
O mesmo carácter adverso é válido para todas as infra-estruturas turísticas
localizadas na zona de influência do pretendido aterro (termas, hotelaria,
restaurantes, comércio, parques de lazer, …). Este facto pode ter elevada
amplitude ao nível da perda de postos de trabalho, quer por redução da
actividade quer mesmo por encerramento das unidades. É de prever uma
redução drástica da atractividade turística da zona, não só devido à emissão de
odores como pela perda de interesse turístico da região ao nível paisagístico.
A referida perda não será compensada por eventuais novos postos de trabalho
criados com a actividade do aterro. A construção do aterro, a ocorrer,
potenciará, por isso uma situação de quebra de emprego que dificilmente será
compensada. A falta de atractividade em que a que a região cairia no caso de
tal implantação, só teria tendência para recuperar após o encerramento do
aterro, ou seja, daqui a uma ou duas gerações. Temos assim, mais uma vez um
efeito sinergético negativo decorrente da potencial implantação do aterro.
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o A contaminação do ar por volumes significativos de emissões gasosas de odor
desagradável é outro dos factores de impacte adverso para a localização
pretendida para o aterro. Os efeitos dessas emissões podem ser potenciados
pelo facto de a localização em vale criar condições de circulação preferencial
em vez de condições de dispersão dessas emissões. Os impactes a esse nível
seriam quer para montante quer para jusante da localização prevista. As
implicações deste factor na qualidade de vida das populações abrangidas
seriam significativas.
Água superficial
o A localização do aterro na encosta poente do Rio Uíma, o principal curso de
água do município, comporta um risco acrescido de contaminação de toda a
bacia hidrográfica a jusante dessa localização. Precipitações extremas podem
provocar descargas não controladas, não só de efluentes mas também de
resíduos sólidos para o curso de água, provocando danos dificilmente
reparáveis, não só na qualidade da água como também ao nível da vida das
populações, da fauna e da flora.
· Água subterrânea
o A possibilidade de contaminação dos lençóis freáticos por rupturas acidentais
ou intencionais da impermeabilização é um factor que também não pode ser
esquecido. A proximidade da potencial zona de implantação quer ao Rio Uíma
quer aos aquíferos das Termas das Caldas de São Jorge, pode transformar
qualquer pequeno dano na impermeabilização num grave problema ambiental
e económico.
Um outro factor negativo está ligado com a impermeabilização de uma área
significativa de potencial recarga do aquífero. Dadas as condições em que é
necessário construir o aterro, este é um dano irreversível no tempo.
· Fauna e Flora
o Destruição total do coberto vegetal da área de intervenção inviabilizará todos
os habitats naturais da área afectada.
o Uma eventual fuga de lixiviados ou resíduos sólidos para o rio Uíma pode
inviabilizar o habitat da lontra, uma espécie protegida. Trata-se aqui de um
efeito irreversível, cuja probabilidade de ocorrência pode ser considerada
excessiva.
· Paisagem
o A enorme área afectada pelo aterro iria provocar uma enorme exposição
paisagística, em particular a partir da encosta nascente do rio Uíma. Tal
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acarretaria um forte impacte negativo num troço significativo da bacia
paisagística. Essa possibilidade conduziria a elevados prejuízos para a região,
nomeadamente ao nível turístico. Simultaneamente, inviabilizaria por
completo a utilização, para efeitos de lazer, de um dos poucos parques
ribeirinhos que as populações dispõem na região, não só pela degradação da
paisagem mas principalmente pela emissão de odores.
· Geologia
o Um aterro é uma actividade que se prolonga no tempo. No caso em apreço,
está prevista ficar, a respectiva implantação, confinante com a zona de
protecção das captações das Termas das Caldas de S. Jorge.
Independentemente de toda e qualquer monitorização que seja efectuada,
não é possível garantir que nunca existirá qualquer infiltração, quer durante o
período activo quer após o encerramento do aterro. Assim, tal localização será
uma ameaça constante durante dezenas ou centenas de anos para a
actividade termal na zona, uma vez que os resíduos permanecerão no local
mesmo após a selagem do aterro.
Sem questionar a qualidade do trabalho da equipa do idad, creio que a escolha da localização
de um local para a implantação de um aterro deve ser vista numa perspectiva holística, muito
para além de critérios meramente semi-quantitativos de pontuação sempre questionáveis.
Neste contexto, atendendo aos descritores acima referenciados, pode ser afirmado que no
caso da localização em Caldas de S. Jorge/Pigeiros, e de acordo com o Decreto-Lei n.º
183/2009, não estão salvaguardados, pelo menos, os seguintes objectivos de sustentabilidade:
· Assegurar a salvaguarda das áreas com valor para a biodiversidade - Existência de
lontras no Rio Uíma, uma espécie protegida, numa zona a jusante da localização
prevista;
· Minimização dos riscos e protecção dos recursos – impossibilidade de garantia de
protecção dos aquíferos abastecedores das Termas das Caldas de S. Jorge, quer
durante quer após o enceramento do aterro.
Quanto aos restantes objectivos enunciados, será também questionável a sua salvaguarda,
podendo essa discussão ser levantada caso se torne oportuno.
Porto, 14 de Março de 2010.
J. Santos Baptista
Eng. Sénior
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