sexta-feira, 25 de junho de 2010

VIAGEM AO TECTO DO MUNDO

No decurso da Semana de Feira do Livro promovida pela Profª. Mafalda no espaço da Biblioteca Escolar, foi entendido entre a oganização e o escritor Joaquim Castro fazer uma sessão de lançamento do seu último livro no último dia da Feira, Domingo dia 20 de Junho. Fui convidado pelo autor a fazer a apresentação. O que fiz com muito prazer. Para que fique registado, reproduzo, mais ou menos, o que disse naquela altura. Referir que gostei da organização (dou parabéns à Profª. Mafalda) e é de notar a quantidade de pessoas que estiveram presentes e também o número de livros vendidos.
(APRESENTAÇÃO)
Estou aqui neste, para mim, tão gratificante como embaraçosa tarefa, de dar uns toques de divulgação de um livro de que é autor o Joaquim Magalhães Castro a quem nós, muito carinhosamente, tratamos por Quim-Quim, ou por Quim Castro. E estou aqui porque o autor deu a entender, a mim e a outros, que gostaria que fosse eu a fazer a apresentação, por certo, bem mais pela amizade que nos liga do que pela capacidade que em mim reconheça. Tenho plena consciência das minhas limitações, mas espero não desvirtuar o livro e muito menos o autor.
Estando nós a tratar de livros, leitores e leituras e escritores, caberá hoje, aqui e agora, levantar o nosso espírito para a memória do grande escritor português, José Saramago, que hoje e dentro de poucos minutos, fará a sua última viagem, até ao Cemitério do Alto de S. João, em Lisboa. Polémico quanto baste, adorado por muitos e odiado por muitos outros, foi o único Prémio Nobel de Literatura outorgado a um português. Pelo menos nessa qualidade merece a nossa homenagem, sem qualificar ideologias, a dele por contraposição com as de outros.
Vir a este lugar falar de letras e de livros é, para mim, e para mais alguns dos presentes, um saudoso regresso ao passado. Em dia que não lembro do mês de Outubro de 1946 entrei nesta Escola pela primeira vez. Tinha passado alguns dias, menos de semana, na escola da Tulha (agora parte do espaço ocupado pelo Centro Paroquial) e fui para cá chamado para tentar entrar directamente para a 2ª. Classe. É que eu tinha andado num Mestre-Escola com quem aprendi a soletrar as primeira letras e a alinhar as primeiras contas e, curiosamente, essa espécie de pré-primária funcionava na “loja” – erra assim que se chamava aos fundos das casas, mesmo que não se tratasse de caves – na “loja da casa da Avó do Quim-Quim – a Ti Dorinda da Mestra – e onde nasceu e cresceu o seu (do autor) pai, a quem este livro a apresentar está dedicado. Nesse tempo era mestre-escola o Senhor Ferreira, que foi marido da D. Ilda Rôda, há poucos anos falecida cá em S. Jorge. Vim, pois tentar a segunda classe – nesse ano funcionavam aqui, nesta escola as 2ª. e 4ª. Classes e na Tulha as 1ª. e 3ª.
Quem me fez o exame de entrada na segunda classe – a mim e a mais dois nas mesmas condições – foi o, agora, Padre Carlos Alberto Ferreira de Castro, tio do nosso autor, Quim-Quim. A leitura que, então, me foi imposta foi a “Dona de Casa” que era a primeira lição em letra mais miudinha que vinha no Livro da Primeira Classe. Terei lido razoavelmente e terei acertado na conta mandada fazer, ao ponto de o Professor Carlos Santos Silva ter determinado que eu ficaria por aqui, com os da Segunda Classe. Para melhor recordar esse tempo e esse episódio, trouxe comigo os Livros da Primeira e da Segunda Classes desse tempo e que foram adoptados durante dezenas de anos. Foi tão só para evocar esta longínqua ligação a familiares do nosso autor do livro que vamos divulgar que tive vontade de regressar ao longínquo 1946.
Vamos então ao Livro “VIAGEM AO TECTO DO MUNDO”
Como sabem todos quantos têm alguma ligação aos livros, em quase todos e logo no início é posto um texto, a que chamam Prefácio, às vezes longo e outras vezes nem tanto e que, geralmente é escrito por pessoa amiga do autor, ou que com ele tem alguma afinidade. Outras vezes o prefácio é escrito pelo próprio autor, que dele se serve para uma prévia apresentação da obra, ou de pontos para que quer chamar mais a atenção. Recordemos que quem prefaciou o anterior livro do Quim Castro – Mar das Especiarias – foi a ex-Embaixadora, Dra. Ana Gomes, agora deputada no Parlamento Europeu.
Houve quem, com alguma graça tivesse definido Prefácio como: Uma coisa que se escreve no fim, se coloca no princípio e nunca ninguém lê. É que há prefácios muito chatos de ler que iniciam livros maravilhosos!
Pois no caso deste livros que queremos, aqui e agora, divulgar, é de muito grande utilidade começar por ler o Prefácio que, não estando assinado, foi escrito pelo autor do livro, e é de muito grande utilidade porque nos proporciona uma visão muito resumida e global da obra. Mostra-nos em três linhas a grandiosidade e a beleza das montanhas do Tibete e dos seus vales. Sugere-nos as dificuldades daqueles povos, desde tempos imemoriais, para vencerem a agressividade dos elementos e também as enormes perseguições a partir da ocupação chinesa. Faz-nos sentir que, apesar do fascínio que provocou e provoca, esteve isolado e desconhecido do Ocidente, pelo menos até ao Século XVII, e lembra como a partir desse então (1624), alguns portugueses, jesuítas quase sempre, desde Goa, onde estavam instalados, partiram à descoberta daquelas inóspitas paragens, na procura da aventura e na tentativa de localização de povos para evangelizar. E é também aqui que alude aos diversos exploradores portugueses, que terão sido os primeiros ocidentais aquelas tão sedutoras quanto agrestes terras. E lembra António Andrade, quiçá o que mais notas deixou sobre as terras, as gentes, os costumes, as artes, as privações e as dificuldades de viver e apreendeu tudo isso ao ponto de fazer construir uma Igreja e de fundar uma Missão Católica, que teve vida curta, mas deixou as raízes e os cheiros portugueses. E tantos outros nomes de exploradores menos conhecidos, como Manuel Marques, companheiro de Andrade, Francisco Azevedo, João Cabral, Estêvão Cacela e vários outros que terão sido as únicas autoridades sabedoras da vida e da cultura tibetanas. E desde 1624, até meados do século XVIII, foram a única fonte onde a Europa pôde beber alguma informação sobre o Tibete. Refere o livro que, se Camões vivesse então, do mesmo modo que laureou os marinheiros, teria laureado os caminheiros que em vez de mares, sulcaram montanhas, também “entre perigos esforçados” (…) e também “mais do que permitia a força humana”. Interrogamo-nos porquê os nossos Ministérios da Cultura não curam de divulgar os feitos destes “varões (pouco) assinalados”.
Pela leitura somos levados à lembrança histórica de que, nos cristãos, nos budistas, ou noutras confissões, a arte, a cultura e o ensino eram repositórios dos mosteiros, conventos, igrejas e templos, donde irradiavam todos os raios da cultura, o que significa que naqueles tempos da idade média e antes e depois, a religião, qualquer que fosse a divindade adorada, foi o grande fautor de cultura e fica aqui confirmado que os regimes, quando cegos pela doença de todo o poder, pela dominados pela cegueira do autoritarismo, pela tendência para o quero, posso e mando, normalmente secundados por terríveis hordas de militares diminuídos pelo sentido de obediência cega, a pretexto da defesa da cultura, destroem todos os bens culturais existentes e isso mesmo se verificou na mais celebrizada do que célebre revolução cultural maoista que fez destruir monumentos, mosteiros, bibliotecas e obras de arte e tudo o que cheirasse à cultura que eles consideravam reaccionária. E, pior ainda, pelo envio de milhares e milhares de chineses para o Tibete, foram forçando a adopção de cultura e língua importadas. Vimos algo de semelhante em Timor Lorosae, depois da invasão da Indonésia. Os povos invadidos podem ser dominados, mas não se deixam subjugar todos, o tempo todo. Lutam, morrem muitos, mas algo haverá de mudar.
Depois do Prefácio leiam-se também as duas páginas de Introdução. Fica-se com uma ideia geral, o que torna bem mais agradável a leitura do diário do palmilhar por aquelas terras, onde as populações residentes e também os visitantes se submetiam a sacrifícios ingentes para viver e se deslocarem e um local para outro. Das peripécias dessas viagens de uma terra para outra, da luta para aceder a certos locais, da dificuldade para convencer as pessoas sem ser através de altos pagamentos, e também de muitos momentos agradáveis que sempre se proporcionam a quem, como o nosso autor, procura estudas as culturas e as gentes daquela região do mundo, para esse diário, que vai de 5 de Setembro até 22 de Outubro, passarei a palavra, dentro de alguns segundos ao autor.
Registo a forma como descreve a chegada a KASHGAR, no fim da viagem. (Kashgar é o nome da cidade para onde se dirigia o autor – chegar a Kashgar). A última parte da viagem em cima de um camião a desfazer-se aos bocados, o desenvolvimento da arte de mecânico que cada um sempre tem, para conseguir que o chaço andasse mais umas centenas de metros, a intuição de que não se devia arriscar descer a montanha em cima de semelhante arremedo de viatura e o despenhamento, por perda de travões, por um enorme precipício. E depois a alegria de uma refeição normal que já se não comia há quanto tempo e de um banho quente e demorado para fazer amolecer e descolar a poeira que se foi acumulando no corpo no decorrer de muitos dias.
Não posso deixar de referir a graciosidade com que escreve para descrever algumas circunstâncias e que, também neste livro, representa clara arte de ficção. “O ESTARDALHAÇO DAS CARROÇAS PUXADAS POR IAQUES (espécie de búfalo) ERA O ÚNICO RUIDO A COMPETIR COM O MURMÚRIO DO VENTO” “ERA A RESPIRAÇÃO OFEGENTE QUE NOS SERVIA DE ALTÍMETRO”. Para além da capacidade de detectar e descrever pequenas minúcias, quase invisíveis detalhes que só um escritor consegue detectar. E fiquei impressionado quando, a certa altura, descrevendo uma celebração local, com danças e músicas, alude a um instrumento, que imagino semelhante a uma flauta, feito com o osso de canela humana.
Em local de livros e de leitura, fecho com uma citação: QUEM NÃO LÊ, NÃO QUER SABER; QUEM NÃO QUER SABER QUER ERRAR. (Miguel Torga)
Espero ter correspondido ao que era esperado.
José Pinto da Silva
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