sexta-feira, 10 de setembro de 2010

FALÁCIA MUNICIPAL - CHEIA DE 1954

FALÁCIA MUNICIPAL/CHEIA DE 1954

A ARH-N, para satisfazer um pedido de emissão de Título de Utilização dos Recursos Hídricos, feito pela Câmara da Feira, para legalizar o Edifício do ILHA/BAR, já construído, em contravenção a todas as normas, estribou o pedido com 5 (cinco) items justificativos, requeridos à e dados pela Câmara, o que não é normal e é pouco curial. Chama-se a isso advogar e ser juiz em causa própria. Todos poderiam ser contestados, mas só contestei, POR ABERRANTE E MENTIROSO, o item 3) que dizia: “ O acesso (ao edifício) fica acima da cota da maior cheia conhecida para o local.” E contestei, porque os factos desmentem o embuste.

Face à minha contestação, à Câmara foi exigida resposta, o que ela fez, apresentando:

1) Informação Técnica emitida pela Divisão de Planeamento da própria Câmara;

2) Pesquisa jornalística pelo licenciado João Carlos Costa Santos Pinto Amorim;

3) Informação pela licenciada Rita Patrício Faria;

4) Declarações de dois naturais e residentes em Caldas e S. Jorge.

Vou rebater, ponto por ponto, esta resposta, de resto muito mal fundamentada, com omissões e mentiras pelo meio, ficando-me, de começo, a firme convicção de que tudo o que foi debitado para os papéis não passou da tentativa de arranjar parcelas para dar um resultado sugerido ou imposto a todos os que intervieram.

Da INFORMAÇÃO TÉCNICA (do Planeamento) destaco só o que se reporta à cheia de 1954, porque é a que está em discussão e a propósito da qual se debitam falsidades por falta do cuidado, ou interesse, de colher informação.

Foi tido como fonte única uma local do “Correio da Feira” de 6/11/1954 – duas semanas depois da ocorrência – que refere a inundação de algumas habitações e o capítulo dos “FACTOS” conclui que apenas as caves das edificações foram inundadas. O conceito normal (actual) de cave é espaço escavado, pelo que bem melhor teria sido dito “baixos” das edificações, como, de resto uma vez alude. São conceitos totalmente distintos. E falar em rede de águas pluviais para precipitações como aquela que agora se discute, ou mesmo outras bem menores, é manifestar instinto de fuga à verdade. Cá, como não importa onde, com uma chuvada um pouco mais forte, é certo e sabido que o entubamento subterrâneo não serve de nada. É muito estranho que tal alusão venha de um Departamento Técnico. Com muitos técnicos.

Foram demolidas, é verdade, a casa do Lajeiro e do Valinho e ambas tinham “baixos”, rés-do-chão e andar, sendo que a primeira tinha utilização idêntica à actual (comércio e habitação). Não teve a “Informação Técnica” o cuidado de se lembrar que a casa do “José Moleiro” não se tratava de um moinho. Era uma casa de “baixos” e rés-do-chão e que foi demolida há 6 ou 7 anos e onde o signatário cresceu até à idade adulta e onde faleceu o tal “José Moleiro”, de quem a viúva é ainda vivente. O moinho contíguo, ainda existente, era o local de trabalho. A vontade de chegar ao resultado imposto obnubilou a memória da “Informação Técnica”.

Casa da “Sra. Dorinda Oliveira” não imagino qual era, pois Dorinda Oliveira, ao que julgo, era a mulher do António Lajeiro. Se a “Informação Técnica” quer referir a casa e moinho imediatamente a sul da Ponte dos Candaídos, então trata-se da casa da “Ti Arminda do Munho” (Oliveira, talvez) e não foi inundada cave nenhuma. A cheia encheu os “baixos” da casa e encheu o moinho e a cozinha contígua até quase cobrir o forno da cozinha. Falei com uma pessoa que viveu o fenómeno e que andou a ajudar os da casa a retirar sacos de milho e de farinha para o andar da casa, com água “quase até ao pescoço”. Uma pessoa das que lá morava disse que a água chegou “quase até meio da calçada”. Outro, ouvido a 3 Setembro, de passagem do Brasil, deu como referência da altura da água a padieira da porta da cozinha. A água subiu até lá. O declarante andou também a ajudar a retirar sacos do moinho para o andar da habitação. A necessidade de aportar parcelas para chegar ao resultado imposto inibiu a “Informação Técnica” de se informar, perguntando, inclusive, a pessoas que moravam (e moram) no Lago qual a altura da água no lugar e os estragos que fez. Eu perguntei.

A cheia de 2001 não interessa para o caso em rebatimento, apesar de, também ela, ter subido, e bem, acima do “acesso” ao edifício.

Na CONCLUSÃO volta a “Informação Técnica” a falar na rede de águas pluviais, rede absolutamente inútil para chuvadas um pouco acima do normal e, disse-me uma das inúmeras pessoas que contactei, dos que viram e viveram a cheia grande, que cada linha de chuva era “da grossura do dedo grande”. Que nunca antes se tinha visto nada assim e que depois, até aos dias de hoje, nunca mais aconteceu coisa semelhante. É vulgar, de resto, ver a água correr pelas ruas sempre que chove um pouco mais. A depressão a meio da rua Dr. Domingos Coelho era inundada à menor precipitação.

O “habitante de Caldas de S. Jorge” signatário deste rebatimento não é o autor da expressão “ficou só o fio do cume do telhado (do moinho) à vista”. Colheu-a de quem viveu aquele dia, naquela zona. Mesmo não se tratando de pessoa letrada, terá sido uma figura literária. Outras pessoas, das inúmeras ouvidas a respeito, não convergem na definição da altura das águas, sendo que todos dizem que andou no telhado do moinho. Concedo, pois, que tendo chegado ao telhado, mas não tenha ido até perto do cume. De resto, para o rebatimento que faço, a altura da água na ribeira e na casa do “José Moleiro” – os “baixos” da casa ficaram inundados quase até ao solho do piso de cima – não é determinante. Importante é determinar a altura da água no parque das Termas e, por reflexo, nos campos onde foi construída a ilha (ínsua).

Lembrar que na, agora, rua Dr. Domingos Coelho, desde o “poço” e até ao fim nascente, não havia qualquer parede do lado do campo. Havia a estrada, uma álea de plátanos e uma berma e logo o campo, desnivelado cerca de metro e meio. Da ponte até ao “poço” havia uma parede com partes já derrubadas. Por outro lado, a poente do “José Moleiro” e até Arcozelo só havia montes, íngremes, pelo que fácil será imaginar a avalanche de águas que desceu e se abateu sobre a casa e moinho. Da estrada da Igreja (poste de ferro) para a casa e moinho o acesso era uma “carreira” que ficava dois metros abaixo do campo “da Bica”.

Na Casa do Valinho a água subiu “um metro, a passar” acima do chão da padaria. A cota da soleira da padaria seria uma mão de través acima da estrada. Assim sendo – foi dito por pessoa que lá morava e trabalhava na altura e que é, felizmente, ainda abordável – a meio da rua, agora Dr. Domingos Coelho, a água terá subido bem mais de metro e meio. Dentro do parque, o chão ficava a uma cota ligeiramente acima da rua, havia uma pilha de madeira de cimbre – as Caldas estavam em obras – e toda essa madeira foi arrastada de escantilhão pelo turbilhão das águas e teve que passar por cima do muro onde esteve “preso” o Elísio Mota que fez depoimento circunstanciado - já tornado público - sobre o “terror” por que passou, depoimento feito sem coacção e sem perspectiva de quaisquer prebendas ou promoção. O episódio da madeira foi-me referido por pessoa que está disponível para repetir se for necessário. Outra pessoa ouvida, ao tempo moradora no alto da Sé, com saída visual para poente (ainda existe a casa e a visibilidade) referiu-me com estupor “o mar de água que eram aqueles campos entre o Alambique e a Pensão do Parque/Pensão Central (Valinho)” e a enxurrada que vinha dos campos de cima e caia na carreira!” (Caminho fundo entre o “Poste de Ferro” e o alambique, com seguimento para Casaldoído.)

Tendo sido assim – reitero que falei com diversas pessoas que moravam ali na zona da Sé – um com um pormenor e outro com outro, um contando uma curiosidade, outro contando outra, todos confirmam a altura e a impetuosidade das águas dentro do parque, na estrada à volta dele e, por comunicação imediata, no campo que deu origem à ilha. Todos afirmam nunca terem visto, antes nem depois, semelhante enxurrada.

Claro que barbaramente falaciosa é a CONCLUSÃO da “Informação Técnica” e, quanto à inundação das freguesias a norte, consulte-se o que relataram os diários do Porto, edição de 25 Outubro 1954 relativamente a Fiães. Eu consultei e o “Planeamento” se tivesse ido mais uma vez ao Porto poderia ter colhido esses dados. Eu fui. Esses relatos estão, de resto, transcritos em mais do que uma publicação editada em Fiães. Consultáveis. Disponíveis. Se tivesse havido vontade de saber algo da verdade. Pergunte-se até onde chegou a água na Ponte da Chã, apesar daqueles largos campos de espraiamento. A solução estava definida!

Aproveito para entrar na “PESQUISA JORNALISTICA” começo por dizer que é de uma pobreza franciscana o trabalho do licenciado encarregado da missão. Diz ele na informação produzida que”apenas obtive o relato de uma situação ocorrida em 24/10/1954, sendo que, para constar, anexo cópia desse mesmo documento (Jornal Correio da Feira), edição de 6/11/1954”.

A primeira conclusão é a de que o autor da pesquisa demonstrou, ou pura incompetência, ou que o cachet não dava para mais. A edição do “Correio da Feira” de 30/10/1954 já titulava o relato do acontecimento com UMA TRAGÉDIA e, não falando especificamente de S. Jorge, deu nota da braveza da tromba de água que assolou a zona, com realce para os efeitos em Fiães e nas margens do Rio Às Avessas, onde a água subiu 5 metros. Se tivesse havido o mínimo interesse em procurar a verdade – a encomenda queria qualquer coisa menos a verdade – teria consultado os relatos dos diários JORNAL DE NOTÍCIAS, PRIMEIRO DE JANEIRO e COMÉRCIO DO PORTO, edições de 25 de Outubro de 1954. Os dois primeiros dão uma dimensão da tromba de água e os seus efeitos na região, focando mais os estragos em Fiães, sendo que o Comércio do Porto faz alusão concreta a S. Jorge, relata o episódio com o Elísio Mota – um rapazito, como o trata o relato - e, a certo passo, diz: “ nas Termas de S. Jorge a tromba de água inundou terrenos e ruas, invadindo o casario da parte baixa da localidade. Em alguns sectores e próximo do pequeno rio a água atingiu cerca de 5 (CINCO) metros”. Fácil será imaginar em que local seria possível a água atingir cerca de 5 metros de altura acima das margens. Tudo isto para significar que o Senhor Licenciado não fez pesquisa nenhuma, ou fez tão somente o que interessava a quem encomendou o serviço. Uma pesquisa mais aturada estragaria os desígnios do “Departamento”.

A INFORMAÇÃO da Dra. Rita Faria não tem relevo para o caso em discussão, pois confirma que o seu estudo tem outro fim que não o de determinar a altura das águas em situações de cheia.

AUTOS DE DECLARAÇÕES – As questões formuladas por entidade dependente do “Planeamento” da Câmara da Feira têm uma clara inspiração na “Informação Técnica” oriunda do mesmo “Planeamento” e, logo, insinuam as respostas programadas, de resto, repetindo a mesma tonteria expressa na “Informação Técnica” de imaginar que a rede subterrânea de águas pluviais agora existente, mesmo que limpa e desimpedida, serviria para alguma coisa perante uma precipitação pluvial como a de 24/10/1954. Ou mesmo muito menor que fosse.

Os declarantes foram escolhidos “a dedo”, quiçá os mais aptos para as respostas mais convenientes para darem o resultado imposto para a equação a engendrar.

Os declarantes eleitos foram os Srs. José Carlos Baptista Martins e Carlos Henriques de Paiva. Por acaso, ou de propósito, ambos originários e residentes em lugares longe do centro nevrálgico da “Tragédia”. Arcozelo e Azevedo, respectivamente. O PRIMEIRO não merece qualquer crédito em nenhum contexto e neste, então, brada aos céus. Imagine-se que até insinua que o rio está agora mais limpo e desobstruído do que em 1954! Só mesmo de um muito lerdo mental. E em caso de enchimento total, como foi o caso, quais a vantagem ou dano de haver dois ou só um canal no rio? Se acontecesse agora coisa igual o vazamento teria dois impecilhos adicionais: a barragem e o edifício. O declarante poderia ter-se informado do caudal e dos efeitos da enchente no ribeiro da “Fonte Fria”, afluente do Uima, no seu percurso em Arcozelo (seu lugar), nomeadamente nos campos e casas da Ribes. Eu fui ouvir quem sabe. O SEGUNDO diz que estava na zona. É possível, mas é muito pouco provável, tendo em conta o local onde morava, a hora em que ocorreu, a intensidade da chuva e o caudal de água pela estrada. Se, de facto, estava na zona, ou estava cego, tem falhanço no “chip” da memória, ou mente simplesmente. Em 1954 não existia aquela árvore junto à ponte, que foi agora abatida. Havia ali uma vegetação herbácea e arbustiva. Quanto ao enchimento das Caldas (cave, buvete e parque), fica desmentido pelos factos e pelos depoimentos de quem estava, de facto na zona, até porque aí residia. Usou o declarante a mesma incapacidade de pensar do primeiro. Com uma enchente daquela envergadura (o jornal C. Porto diz que atingiu cerca de 5 m de altura), que adiantava o rio ser estreito ou largo, ter um braço ou dois? Para cheia igual – que não ocorrerá nunca mais, espera-se – teria agora outros estorvos: a barragem e o edifício e obstrução vegetal em quase todo o curso do rio. E chegou-se ao desplante de dizer que agora o rio está mais limpo e liberto do que nos anos 50!

Concluo afirmando, agora com mais veemência, que o argumento de que “o acesso está acima da cota da maior cheia conhecida para o local” é uma mentira, facto que tem que ser reconhecido FORMALMENTE pela ARH-N e pela CCDR-N, com as eventuais consequências que daí advenham.

Acho ter cabimento recordar que, logo que se pensou em edifício novo para substituir o velho “ILHA” se dizia que, mesmo na Câmara havia três ideias quanto à implantação. Uma era a que acabou por fazer vencimento. Outra era a de o edifício fazer “PONTE” sobre o braço direito do rio, com pilares da altura devida na ilha e do outro lado ao nível do caminho a sul, sendo por aí o acesso, pelo menos para pessoas com mobilidade condicionada. Outra era que toda a construção fosse implantada a sul do caminho, nos terrenos camarários, ficando a ilha para pura fruição pública. Estaria já nos subconscientes o hipotético aparecimento de complicações?

Dizia um pensador cujo nome me não ocorre que “ Muitos fabricam argumentos para justificar objectivos seus, em vez de escolher os seus objectivos de acordo com a verdade objectiva da razão”.

José Marques Pinto da Silva

NOTA: Este documento será enviado ao respondido (Departamento de

Planeamento da Câmara da Feira) à ARH-N, à CCDR-N, à Secretaria de

Estado do Ambiente e ao Senhor Provedor de Justiça.

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