PARECENÇAS
Como eu me revejo na senhora, minha saudosa Mãe!
Contava a senhora, quantas vezes! Que as pessoas amigas e as besbilhoteiras lhe
diziam que eu era o mais feiito dos filhos (a Fernanda acho que também lá tinha
a sua feiura) e que ambos éramos os mais parecidos com a senhora. Fui procurar
uma foto da senhora quando estaria na casa dos 20 (quando eu nasci tinha a
senhora 27 anos) e, nesse tempo era mesmo uma mulher bonita. Sem precisar de
olhos de filho. Claro que nunca deixou de o ser. Mesmo na fase final, com as
marcas que a vida, o trabalho, a doença e muitos desgostos acarretaram, não
perdeu aquela beleza que as mães boas sempre conservam até ao fim.
Mas procurei também fotos minhas da minha juventude (a
partir dos 15/16 anos) e, de facto tínhamos traços marcantes. E eu tinha
peneiras de ter andança para me apresentar em qualquer arraial.
Faltam-me
agora os atributos que ornavam a senhora, para que me possam continuar a ver
como recomendável. Conto com os olhos amigos dos meus filhos. De todos eles. E
conto com o carinho manifesto e bastamente manifestado pelos meus netos. De
todos eles. Dez ao todo. E com que gáudio o expresso, de todos os cônjuges dos
meus filhos. Quatro noras, uma quase nora e um genro. Também nesse particular
me revejo na senhora. Os filhos, os netos e os bisnetos adoravam-na. Não pelo
que lhes tenha dado, mas pela preocupação por todos e cada um e pelo amor que a
cada um devotava.
Temos uma enormíssima diferença! Teve razões para que
os vincos do sofrimento lhe tivessem marcado o rosto e dilacerado a alma. A
senhora, Mãe, viu partir muito antes do tempo dois dos teus filhos. A Celeste e
o Alcino. No espaço de quatro meses duas perdas de tamanha marcação. E que
estoicismo, mesclado de desespero, dor, desgosto! As marcas rugosas ficaram
como livro aberto. Que seja afastado de mim o cálice de tamanho martírio. O de
ver um filho ir antes de mim.
Sabe, Mãe, o que me fez avivar as parecenças, mais de
agora? Nos últimos anos que entendeu estar connosco, era um vaivém diário,
agora três ou quatro vezes por dia para te preparar e fazer nebulização, era
mais tarde, ou mais cedo, para te aplicar o oxigénio, depois às horas certa
para te ministrar a catrefada de medicamentos, pontuais ou repetitivos. Gestos
e visitas que eu, alternando-me com os outros (o Nel e, menos vezes o Germano),
fazia com sentido de obrigação e carinho. Pois nestes dias mais recentes
passados, ainda que na situação de internado, outros me fizeram as mesmas
aplicações. Que nostalgia, Mãe. Nostalgia que tento compensar com a presença da
tua imagem no ecran do meu telemóvel. Imagem colhida dois ou três dias antes de
nos ter deixado.
Estou
bem em crer que, mesmo estando numa convalescença sofredora, vou dar a volta
para, durante mais uns tempos, a recordar e em cada minuto dizer que tive a melhor
mãe do mundo.
José
Pinto da Silva