domingo, 20 de janeiro de 2013


PARECENÇAS

Como eu me revejo na senhora, minha saudosa Mãe! Contava a senhora, quantas vezes! Que as pessoas amigas e as besbilhoteiras lhe diziam que eu era o mais feiito dos filhos (a Fernanda acho que também lá tinha a sua feiura) e que ambos éramos os mais parecidos com a senhora. Fui procurar uma foto da senhora quando estaria na casa dos 20 (quando eu nasci tinha a senhora 27 anos) e, nesse tempo era mesmo uma mulher bonita. Sem precisar de olhos de filho. Claro que nunca deixou de o ser. Mesmo na fase final, com as marcas que a vida, o trabalho, a doença e muitos desgostos acarretaram, não perdeu aquela beleza que as mães boas sempre conservam até ao fim.
Mas procurei também fotos minhas da minha juventude (a partir dos 15/16 anos) e, de facto tínhamos traços marcantes. E eu tinha peneiras de ter andança para me apresentar em qualquer arraial.
Faltam-me agora os atributos que ornavam a senhora, para que me possam continuar a ver como recomendável. Conto com os olhos amigos dos meus filhos. De todos eles. E conto com o carinho manifesto e bastamente manifestado pelos meus netos. De todos eles. Dez ao todo. E com que gáudio o expresso, de todos os cônjuges dos meus filhos. Quatro noras, uma quase nora e um genro. Também nesse particular me revejo na senhora. Os filhos, os netos e os bisnetos adoravam-na. Não pelo que lhes tenha dado, mas pela preocupação por todos e cada um e pelo amor que a cada um devotava.
Temos uma enormíssima diferença! Teve razões para que os vincos do sofrimento lhe tivessem marcado o rosto e dilacerado a alma. A senhora, Mãe, viu partir muito antes do tempo dois dos teus filhos. A Celeste e o Alcino. No espaço de quatro meses duas perdas de tamanha marcação. E que estoicismo, mesclado de desespero, dor, desgosto! As marcas rugosas ficaram como livro aberto. Que seja afastado de mim o cálice de tamanho martírio. O de ver um filho ir antes de mim.
Sabe, Mãe, o que me fez avivar as parecenças, mais de agora? Nos últimos anos que entendeu estar connosco, era um vaivém diário, agora três ou quatro vezes por dia para te preparar e fazer nebulização, era mais tarde, ou mais cedo, para te aplicar o oxigénio, depois às horas certa para te ministrar a catrefada de medicamentos, pontuais ou repetitivos. Gestos e visitas que eu, alternando-me com os outros (o Nel e, menos vezes o Germano), fazia com sentido de obrigação e carinho. Pois nestes dias mais recentes passados, ainda que na situação de internado, outros me fizeram as mesmas aplicações. Que nostalgia, Mãe. Nostalgia que tento compensar com a presença da tua imagem no ecran do meu telemóvel. Imagem colhida dois ou três dias antes de nos ter deixado.
Estou bem em crer que, mesmo estando numa convalescença sofredora, vou dar a volta para, durante mais uns tempos, a recordar e em cada minuto dizer que tive a melhor mãe do mundo.

José Pinto da Silva  
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